Então estava pronto, então. Resolvido. A mãe havia voltado com a notícia que ele tanto esperava: comprei a beliche. Mal podia se conter de alegria. Há meses, desde que a mãe havia sugerido que poderia, quem sabe, comprar uma beliche para o quarto dele com a irmã, seu coração se encheu de expectativa e a cama de solteiro em que dormiu nos últimos três anos ficou, de repente, dura e desajeitada. Talvez sempre tenha sido dura e desajeitada, mas não pensava muito nisso, só que com a possibilidade de uma beliche passou a pensar e não conseguia mais parar. Eu vou ficar em cima, disse de uma vez, decidido, e a irmã não respondeu. Então estava pronto, então. Resolvido. A mãe havia comprado a beliche.
A ideia de dormir no alto, um corpo inteiro sobre o chão, parecia a ele como mágica, como filme. Como os filmes que ele assistia na TV, os filmes americanos em que os meninos dividiam a beliche com seus irmãos e faziam planos durante a noite, no escuro, um na cama de cima, outro na cama debaixo. Parecia mágica, parecia filme, parecia bom. Então, perguntou: e cadê a cama?
Aí, sentiu o peso da ansiedade. Chega até terça, a mãe disse. Era quarta-feira. Mas como? Por que não agora? Já comprou, como não está aqui? Se não conhecia a ansiedade antes, ficou conhecendo naquele momento — uma ansiedade que se repetiria durante a sua vida inteira. Não cabe no carro, eles vão entregar com o caminhão, e tem outras entregas antes, a mãe disse. Ficou emburrado. Queria para agora, já, não havia tempo a perder. Estava fora do seu controle e não gostou de saber que, no mundo, quase tudo estava fora do seu controle — era quarta-feira, ainda, e não havia meios do tempo passar mais rápido.
De quarta para quinta, de quinta para sexta, de sexta para sábado, de sábado para domingo e de domingo para segunda, dormiu mal em todas as noites. A cama antiga não lhe era mais suficiente. Pequena, dura, desajeitada, imperfeita. Não era uma beliche. Levantou-se durante as madrugadas, foi até a cozinha, tomou coca-cola às três da manhã, ligou a tevê, assistiu telecurso 2000 e pequenas empresas, grandes negócios. Ficou sonolento na aula, passou o final de semana com olheiras. Dormiu no sofá. Sonhou que a beliche estava lá, pronta, e que ele dormia na cama de cima, e via o mundo inteiro do alto do conforto da sua cama nova.
Chegou a segunda-feira, voltou da escola, almoçou, não se deitou na própria cama antiga, porque com ela não queria mais nada, só o necessário. Ouviu alguém bater palmas no portão e foi atender: era ele, em pessoa, um santo. O entregador da cama. O caminhão estava parado a frente da sua casa, eles desceram a caixa de papelão, perguntaram se havia algum adulto. Ele disse que a mãe só chegaria mais tarde. Ligou para ela, passou o telefone para o entregador, santo. Deixaram a caixa de papelão, enorme, na casa, e foram embora.
Então estava pronto, então. Não só estava comprada, como havia chegado. Era hora. Era? A mãe nunca parecia ter demorado tanto para voltar para casa do trabalho. Voltou, com a irmã no carro. Ele mal se aguentava — a beliche, a beliche! Só faltava a mãe voltar e ela voltou. Assim que ela entrou pela porta, já ouviu ele dizer: chegou a beliche. Ela sabia, claro. E agora? Tem que abrir. A mãe disse que não. Não? Como não? De imediato, sentiu vontade de chorar, mas segurou firme. Como não? Não vai abrir ainda, o rapaz tem que vir montar. O rapaz? Sim, o Valdeci vem montar, só que ele só pode na sexta-feira. Mas por que tem que esperar ele vir montar? Porque eu não sei montar, a mãe disse, você sabe? Calou-se.
Se não havia sentido antes, sentiu a impotência do não-saber pela primeira vez. A beliche embalada pelo papelão era o símbolo do seu fracasso, da sua pequenez, da sua relevância. Do que adiantava ter, se não possuía os meios de usufruir? Ali, se decidiu: o quanto antes fosse capaz, não ficaria refém de ninguém. Faria tudo com as próprias mãos. Chegaria a beliche em sua casa e ele mesmo abriria e montaria. Não precisaria esperar o Valdeci, nem ninguém. Teria os meios, a expertise, o talento, a força. Sim, sim, não ficaria refém de ninguém. Talvez ele não se lembrasse mais de tudo isso o dia em que, adulto, comprou a sua parafusadeira elétrica e deixou de ser refém dos montadores para, então, tornar-se um eterno refém de móveis bambos — mas incontroversamente erguidos com as suas próprias mãos.
Enfim, o que poderia fazer? Só esperar, outra vez. Esperar, esperar, esperar, o verbo fatal da vida. Há sempre que se esperar algo ou alguém. De segunda para terça, de terça para quarta, de quarta para quinta, de quinta para sexta. Agora sua cama antiga não era só dura e desajeitada, era insuportável com o peso da beliche na caixa — testemunha da inabilidade do menino, testemunha da sua fragilidade, da sua sujeição. Quantas horas dormiu naquela semana? Ao todo, umas doze, não mais. Lembra-se até hoje da aula de geografia do telecurso 2000 que falou sobre placas tectônicas e incutiu nele um medo profundo de terremotos, só superado em análise dezenas de anos depois.
Só esperar, outra vez.
Voltou da escola sexta-feira e, ao entrar pela porta, não percebeu que a caixa da beliche não estava mais no meio do caminho. Foi para o quarto cabisbaixo e então, notou. Estava feito. A beliche estava, enfim, montada. O que fazer com tamanha alegria? Claro, óbvio: trepar na cama nova. Subiu correndo pela escadinha e se esticou no colchão da parte de cima. Estava tão perto do teto que, de ficasse de joelhos, sua cabeça chegava a roçá-lo. Observou o quarto daquela altura: tudo era diferente. Estava, é mesmo, feliz.
E ficou feliz por muitos dias seguintes. Queria ficar na cama o tempo todo, aproveitando sua posição de privilégio. Mal dormia não por tristeza, mas por encantamento. A irmã não se impressionou muito e mais de uma vez pediu para que ele parasse de se mexer, porque a beliche balançava. Ligou o videogame na tevezinha do quarto, puxou o fio do controle até a beliche e lá de cima passou horas jogando. Então estava pronto, então.
E um dia, não sabe qual, nunca se sabe, nunca é possível precisar, tudo voltou ao normal. Um dia, não sabe qual, nunca se sabe, a beliche não possuía mais aquela mágica, era só uma cama em cima da outra, na qual ele subia para dormir e descia ao acordar. E um dia, não sabe qual, estava crescido, e a beliche era mais estorvo que facilidade, porque estava mais pesado, maior, e o estrado parecia pronto para ceder. No meio de uma noite qualquer, ouviu um estalo e a irmã acordou assustada. Uma das madeiras havia rachado. Desceu da beliche naquele dia e dormiu na sala. Foi a última vez que se deitou na cama de cima daquela beliche, que um mês depois foi levada embora pelo Valdeci. Quanto tempo se passou desde a chegada da beliche e sua partida? Dois anos? Três? Não contou, não percebeu. Um dia, não sabe qual, nunca se sabe, os dias voltaram a ser o que sempre foram e, assim, vindo um depois do outro, parou de prestar atenção.
Ia se tornando homem feito. Deixou de acreditar em magia, ou deixou de pensar em magia. Ou deixou de pensar que magia fosse possível e, assim, a beliche era só uma cama em cima da outra e nada mais.
Foi um bom tempo depois quando entrou pela porta do alojamento, com os sapatos engraxados e brilhantes nos pés, a calça e a camisa da farda passadas e vincadas, na cabeça a cobertura, no peito o seu nome de guerra. Ao longo do alojamento se distribuía mais de uma centena de beliches, todas de ferro, em cada uma o número do seu ocupante. Caminhou até a sua, guardou suas coisas no armário, trocou de roupa, guardou a farda com cuidado no armário, e se deitou em sua cama — a de cima da beliche. Dormiu de exaustão e não sonhou com nada, já há tempos não sonhava com nada. Ao fundo, as vozes dos rapazes que continuavam acordados, as luzes dos celulares, os passos, o ranger das portas dos armários e do metal das beliches.
Tudo havia mudado, é claro, sempre muda. Ele só não saberia dizer o quê. Se pudesse, ligaria para a mãe no dia seguinte para saber. Apenas se pudesse.