Café da manhã de padaria - Eu posso estar errado - Edição Nº41
A refeição mais importante do dia
Um bom café da manhã tem o potencial de fazer o meu dia feliz por si só. Um mau café da manhã tem o potencial de estragar um bom dia para mim.
É certo que você já ouviu a máxima de que o café da manhã é a refeição mais importante do dia. Eu não sei de onde ela surgiu e nem sei se possui qualquer base nutricional, mas sei que, para mim, o café da manhã é a refeição pela qual eu anseio desde a noite anterior. Não é modo de dizer: eu frequentemente vou me deitar pensando no café da manhã do dia seguinte. Pensando nos ovos mexidos. Pensando no café preto. Pensando no pão torrado na medida exata para, ao receber a manteiga, ficar dourado, mas não tostado.
Não sei precisar quando criei essa relação de indispensabilidade com o café da manhã.
Talvez tenha sido na infância, quando eu dormia na casa da minha avó e, pela manhã, ela fazia leite morno com nescau, pão torrado - sempre na medida exata, a medida irrepetível - com manteiga derretida. Eu tinha o costume de dar uma bocada no pão e já tomar um gole do leite com nescau. A mistura dos sabores, que hoje eu não consigo mais apreciar, infelizmente, era para mim o gosto mais maravilhoso do mundo.
Talvez tenha sido alguns anos mais tarde, quando eu passei a estudar em outra cidade e pegava o ônibus de Boituva um pouco depois das 5 da manhã. Eu acordava e ia cutucar a minha mãe, que pedia que eu a acordasse para que ela fizesse café. Ela fazia café, torrava os pães, eu passava manteiga ou requeijão ou colocava queijo ou o que quer que fosse que estivesse disponível, misturava o café com leite e adoçava, buscando o equilíbrio perfeito entre força e sutileza, e comia em silêncio. Nós nos despedíamos e eu ia para o ponto de ônibus.
Não sei precisar quando foi, mas essas duas lembranças certamente fazem parte da construção do momento.
Talvez para mim o café da manhã seja sempre a possibilidade de reviver a para sempre perdida sensação de acolhimento e afeto proporcionada pela minha avó e pela minha mãe.
Depois da importância do café da manhã, veio o hábito do café da manhã de padaria, que decorre do acolhimento, do afeto e, especialmente, das sensações de liberdade e tranquilidade. Esse segundo hábito eu sei precisar exatamente quando nasceu.
De 2012 a 2014 eu estive na EPCAr, escola da aeronáutica. De segunda a sexta estávamos em regime de internato. De segunda a sexta o café da manhã acontecia no rancho, das 6 da manhã até aproximadamente às 6:30, 6:35 (mais cedo se você fosse mais moderno, mais tarde se você fosse mais antigo). As opções eram limitadas. Sempre havia café com e sem açúcar. Leite quente e leite frio. Achocolatado. Pão. Margarina. Vez ou outra tinha um mingau. Muito de vez em quando tinha ovos mexidos. Ainda assim, eu buscava sempre acordar antes das 6, quando a corneta tocava, para poder descer para o rancho o mais cedo possível e tomar o café da manhã sem pressa. Tudo na EPCAr era feito com pressa. Toda refeição, todo descanso, toda atividade. Então eu dormia um pouco menos para aproveitar um pouco mais. O café era horrível. O pão estava quase sempre duro. A margarina era praticamente impenetrável. Mas ainda assim eu chegava lá às seis da manhã, pegava o meu café, o meu pão, os ovos, quando disponíveis, e me sentava a mesa para, ao menos por 15 minutos, viver como uma pessoa normal.
Foi então que o hábito de tomar café da manhã na padaria nasceu. Como ficávamos de segunda a sexta em internato, o final de semana era a força propulsora de nossas vidas. Todo e qualquer aluno da EPCAr vivia - e vive - pelo final de semana. Não por outro motivo o Comando do Corpo de Alunos sabe que punir um aluno com prisão ao final de semana é como arrancar dele um pouco do que mantém ele vivo, e o Comando do Corpo de Alunos não hesita em lançar punições para os desviantes (no contexto da EPCAr, desviante era quem: cochilava nas aulas; mexia-se em forma; estava com a farda amassada; estava com o sapato mal engraxado; estava com a barba mal feita; etc., todas transgressões inadmissíveis aos olhos da hierarquia e disciplina).
But I digress.
A chegada do final de semana era mágica. Sendo a EPCAr em Barbacena/MG e minha família de Boituva/SP, ir para casa era evento reservado para os feriados. Todos os outros finais de semana eu ficava por lá. Assim, passei a acordar cedo nos sábados e nos domingos para procurar um lugar em que eu pudesse tomar um bom café da manhã. Pulei de padaria em padaria. De bar em bar. Tudo o que havia nas redondezas da EPCAr eu visitei. Sentar no balcão, pedir um café puro - ou um expresso, onde havia essa opção -, um pão na chapa, um pedaço de bolo, o que quer que fosse me dava o conforto de uma vida que eu sentia falta. De um tempo do qual eu sentia falta. Por uma hora, enquanto eu tomava meu café, comia meu pão, comia meu bolo, não havia mais nada no mundo - nem ontem, nem amanhã, a obliteração do tempo, apenas a tranquilidade de uma boa refeição enquanto o dia está começando. Era como se nada pudesse dar errado a partir de então.
Eu não estava sozinho nessa rotina. Alguns amigos de turma constantemente se juntavam a mim e nós aproveitávamos para conversar sobre tudo o que não envolvesse a EPCAr, e também para reclamar da EPCAr. Já combinávamos de antemão que se um acordasse antes do outro deveríamos avisar antes de sairmos, para dar a chance ao atrasado de se juntar a nós. Era um ritual de exploração de uma pequena liberdade em um ambiente de repressão das liberdades.
Quando ninguém se juntava a mim, eu caminhava sozinho pelas ruas de Barbacena, subindo a ladeira até a XV de Novembro, e ia até alguma das padarias que eu conhecia. Nas poucas vezes em que estive de serviço durante o final de semana, eu não ia ao rancho. Ia até à lanchonete que ficava dentro da escola, cumprimentava o Camofo, dono do lugar, que estava invariavelmente reclamando de alguma coisa, e ficava jogando conversa fora com as meninas do balcão. Depois, pedia a mesma coisa de sempre - um café preto, bolo, um salgado. Eu me sentava em alguma das mesas com vista para o pátio da EPCAr e, mesmo que não fosse um café da manhã de padaria, eu me transportava para um espaço mental de tranquilidade e segurança.
Já se vão oito anos desde que eu me formei na EPCAr. O hábito de tomar café da manhã em padarias, no entanto, continua sendo cultivado por mim. É a minha saída sempre que estou me sentindo atribulado ou ansioso ou sobrecarregado. Deposito todas as minhas esperanças no café expresso sem açúcar, no pão na chapa e nos ovos mexidos que vem de trás do balcão.
Da EPCAr fui para Ribeirão Preto, onde fiquei por um ano e seis meses, até me mudar para a Capital. Em Ribeirão Preto eu ia, sempre que possível, nas padarias e nos barzinhos perto de onde eu morava, especialmente aos finais de semana. Conversava com os atendentes. Formava laços frágeis, mas não superficiais com os funcionários de cada lugar.
Aqui em São Paulo tenho mantido a prática. Há uma padaria perto do meu apartamento em que hoje, quando eu chego lá, a conversa é sempre a mesma:
Bom dia, Alemão. Expresso duplo puro, três ovos mexidos e pão na chapa?
Eu quase sempre confirmo; quando estou no clima da mudança, peço algo diferente - talvez um pão na chapa entrada requeijão (se você não sabe o que é um pão na chapa entrada requeijão, me faça um favor e vá descobrir); talvez um pão com queijo minas aquecido.
O meu pedido chega na mesa e eu aprecio a oportunidade. Sempre saio da padaria me sentindo melhor do que quando eu entrei.
Em Campinas, eu e a Marina estipulamos uma rotina - talvez eu tenha estipulado e ela tenha sido forçadamente inserida na dança - de irmos pelo menos um dia do final de semana tomar café na padaria. Em uma delas há opção de buffet a vontade aos domingos (antes era o final de semana todo, mas aparentemente são poucos os que sabem apreciar as pequenas belezas da vida, então eles reduziram para apenas um dia), e todo domingo em que eu vou lá e como no buffet é um domingo feliz.
Quando eu acho uma padaria em que eu me sinto bem, eu me torno um cliente fiel - para desgosto da Marina, que sempre quer conhecer lugares novos. É um processo complexo, que envolve questões muito antigas. Café da manhã é coisa séria - cada um deles é uma pequena lembrança da minha mãe, que não está mais aqui, e da minha avó, que está aqui, mas já não pode mais fazer leite morno com nescau e pão torrado na perfeita e irrepetível medida para que a manteiga derreta e deixe o pão dourado.
Uma viagem estacionária pelo tempo perdido.
Um aviso
Como já era esperado desde que o Musk assumiu o Twitter, que controla o Revue, que é este sistema de newsletter aqui, o site getrevue vai sair do ar e todos os dados serão deletados.
Mas eu já tomei as devidas precauções e exportei toda a lista de inscritos para o substack, assim como exportei os textos já enviados, então você está preso a mim para todo o sempre (ou até você se desinscrever, o que resultará, invariavelmente, na minha aparição surpresa na sua casa no meio da noite para tirar satisfação).