Estirão
Há uns treze, quatorze anos, meus pais tinham um boliche. Quer dizer, eles abriram um boliche juntos - Boliche Schinca's Bar -, e logo depois eles se separaram, e o boliche continuou lá, indivisível, então minha mãe ficava com a parte da manhã, com o restaurante, e meu pai com a parte da noite, em que funcionava o boliche propriamente dito.
Você pode pensar que é o sonho de uma criança os pais terem um boliche. E você está certo. Era divertido jogar boliche. Era divertido há treze, quatorze anos.
Há treze, quatorze anos, nos finais de semana eu ficava na casa do meu pai e eu adorava ficar lá, em que tudo era permitido e num espaço de 60 horas - o fim da sexta, até o fim do domingo - as regras ficavam suspensas. Como havia o boliche, eu precisava esperar ele fechar para voltarmos para casa, e isso acontecia tarde, lá pela uma, duas da manhã. Eu esperava. Eu às vezes subia para o mezanino e juntava seis cadeiras e deitava por sobre essas cadeiras e dormia até meu pai me cutucar e dizer Ném, vamos, e então nós íamos.
Antes de sair eu via na TV se o programa de luta livre da madrugada já havia começado, e se já houvesse começado nós aceleraríamos o passo - era perto o boliche da casa do meu pai, como tudo é perto em Boituva. Graças a diferença de horário da grade entre a parabólica e a antena normal, nós chegávamos sem perder quase nada da luta livre. Meu pai estendia um edredom na sala e nós nos deitávamos por sobre esse edredom, e era mais confortável do que as cadeiras no boliche. Assistíamos a luta livre até eu pegar no sono, o que acontecia bem rápido, não importava o quanto eu lutasse para permanecer acordado.
Tudo era possível, e eu sabia tão pouco.
Desde então, desses treze ou quatorze anos passados, eu cresci. Tudo mudou. O boliche é hoje uma loja de departamento e minhas memórias são fragmentos de histórias de uma vida que eu ainda tento compreender.
Há um poema de um escritor norte-americano chamado Robert Penn Warren, e o poema se chama Tell me a story. A sua segunda parte diz assim:
Tell me a story.
In this century, and moment, of mania,
Tell me a story.
Make it a story of great distances, and starlight.
The name of the story will be Time,
But you must not pronounce its name.
Tell me a story of deep delight.
Na minha tradução:
Me conte uma história.
Neste século, neste momento, de insanidade,
me conte uma história.
Conte uma história sobre as grandes distâncias, e a luz estelar.
O nome da história será Tempo,
mas você não deve pronunciar este nome.
Me conte uma história de profundo encantar.
Sempre que eu lembro desse poema, eu me lembro do edredom na sala. Do boliche. Das cadeiras. Antes de tudo ficar real e, via de consequência, desmoronar.
O nome da história será Tempo.
Não sei o que isso significa, mas achei importante dizer.
Até. - gsc.