Zeitgeist
Zeitgeist é uma palavra engraçada.
Zeitgeist é o que o Rosenfeld chama em um texto muito famoso na teoria literária, Reflexões sobre o romance moderno, de espírito unificador de um tempo. No século XX aconteceram algumas coisas, como você deve estar ciente, e eu falei sobre elas na última letter - e daí veio o espaço em branco, a obsessão pelo tempo, etc. O mundo moderno é, Rosenfeld vai dizer, uma "época com todos os valores em transição e por isso incoerentes, uma realidade que deixou de ser um ‘mundo explicado’".
Nada permanece. Tudo está de passagem. A parte boa é a constante possibilidade de nos refazermos, vencendo o condicionamento do mundo, em direção a liberdade. A parte ruim é que, bem, tudo é muito caótico.
Mas eu não tô falando disso só para gastar o latim.
Eu tô falando disso por que eu recebi uma foto da minha irmã.
É essa foto aqui.
A minha mãe é a mulher do meio. Eu não sei quem são as outras pessoas.
Eu recebi essa foto da minha irmã e eu imediatamente fui transportado para um tempo em que eu não vivi, que foi o tempo dessa foto, em que a minha mãe encara a câmera, com o cabelo molhado, de pernas cruzadas, e a sua mão está apoiada sobre uma das pernas, com um cigarro entre os dedos, e ela dá um meio-sorriso para a câmera, como se a foto tivesse sido tirada entre o intervalo de um momento para o outro, antes da risada se formar, mas depois de ela começar a surgir.
Essa foto é um ponto fixo de um mundo em transição.
Essa foto é como a linguagem: um exercício de permanência em um mundo de efemeridades.
Nessa foto, o cigarro é um elemento estético, uma marca de um período em que o tabagismo era a regra. Na vida real, não esse, mas todos os cigarros ajudaram a corroer os pulmões da minha mãe.
A vida e a representação da vida.
Essa foto, de um tempo que eu não vivi, se apresenta para mim como um autorretrato.
O acesso a uma parte de mim que eu não participei diretamente, mas que, sem dúvida, participou - e participa - de mim.
Agora estou assim, igual na foto, com um meio-sorriso.
Era só isso.
Até a próxima. - gsc